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Consumir menos para viver melhor

Consumir menos para viver melhor

Consumir menos para viver melhor

Trabalhar exaustivamente para comprar uma infinidade de coisas que não trazem satisfação — e geram lixo — não está dando certo nem para a sociedade, nem para o planeta. Esse pensamento tem sido evidenciado e defendido por milhares de pessoas em todo o mundo, que vêm buscando alternativas para diminuir o consumo, principalmente de “novidades” que muito em breve se tornarão obsoletas.

A preocupação com o excesso universal de consumo não é de agora. Há dez anos, a animação História das coisas (Story of stuff) ganhou o mundo por fazer um alerta aos usuários da internet sobre uma questão urgente: “Estamos exaurindo nossos recursos, estamos usando coisas demais! Nas últimas três décadas [desde os anos 1970–1980], um terço dos recursos naturais do planeta já foi consumido. Desapareceu. Estamos estragando este lugar tão rapidamente, que estamos deteriorando a capacidade de ter gente morando aqui”. A fala da ambientalista norte-americana Annie Leonard no vídeo, visto até hoje por milhões de pessoas no YouTube, traduz, de forma didática, o funcionamento de um sistema de produção de bens e consumo claramente em vias de colapso.

Nesse cenário, um dos conceitos que vem ganhando força é o minimalismo,
visto também como parte dos movimentos daqueles que têm buscado adotar um estilo de vida pautado pelo consumo consciente. Seu propósito é levar adiante a máxima do “menos é mais”, ou seja, estimular as pessoas a repensar o que de fato é necessário e reduzir a quantidade de suas posses.

Para os minimalistas, a vida é mais importante do que os bens materiais. Por essa razão, o excesso de coisas precisa ser invertido. A lógica é: ter menos objetos para viver melhor, aproveitando o tempo com qualidade. Mais do que simplesmente eliminar inutilidades excessivas, e com isso também mudar a relação com o dinheiro, os seguidores do minimalismo propõem a substituição das coisas (e da vida dedicada a elas) por mais tempo, mais paixão, mais experiências, mais crescimento, mais contribuição e contentamento.

Na prática, isso significa ter atitudes que prezem por uma vida melhor e, consequentemente, pelas outras vidas do planeta. Não significa deixar de consumir completamente, o que seria impossível no mundo atual, mas ter uma atitude simples: pensar antes de comprar e no que comprar, como sugere Fred Ulisses Maranhão (ver depoimento na página seguinte), analista de sistemas da Chesf. Esse raciocínio nos leva justamente ao consumo consciente, que pode estar não apenas no “ter menos”, mas no poluir menos e no acumular menos. Significa fazer escolhas, não seguir impulsos.

Isso também reverbera na economia e no uso inteligente do dinheiro, é claro, mas principalmente em benefícios pessoais e coletivos mais valiosos do que cifrões. Significa não adquirir aquilo que não vai usar; não comprar roupas e objetos muito baratos que normalmente são fruto de trabalho escravo; comprar produtos locais; reduzir consumo de embalagens; comprar/trocar coisas usadas; e, adotar animais abandonados em vez de comprá-los, para citar alguns exemplos práticos.

Que vida queremos?

“É interessante essa procura por novas histórias de vida, mais coletivas, menos individualistas. Tem que experimentar no cotidiano, não esperar uma ‘revolução’ acontecer. A grande questão é: que vida queremos?”, afirma Maria Eduarda Rocha, socióloga e docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Focada nos estudos sobre consumo, ela diz que esse questionamento acompanha a história da modernidade e é preciso apenas ter cuidado com as idealizações e as críticas conservadoras ao consumo, pois os objetos têm um papel significativo na vida e não dá para ser tão romântico. “O grande problema é a descartabilidade, tornando inviáveis os recursos naturais”, pontua a socióloga.

Com relação ao lixo, é preciso pensar sobre o óbvio: não existe essa de “jogar fora”. Onde fica o fora? Do planeta, certamente não é. O consumo excessivo é a mola do descarte. Afinal, como mostra o filme Histórias das coisas, está tudo interligado. Transformar os hábitos não é uma questão individual apenas; é um dever da existência hoje, para garantir, inclusive, a sobrevivência dos que ainda estão por vir.

A ideia de consumo consciente pode dar, de início, a sensação de uma forte barreira a ser ultrapassada; mudar dá trabalho. Por isso, tanta gente resiste. Principalmente por se tratar de uma sociedade que prega a abundância, o ter muito, o produzir muito, em um meio onde tudo parece estar ao alcance. Mas se gasta tempo e energia nisso, o que gera estresse e, em diversos casos, uma série de problemas de saúde.

Seja como for, é preciso estar atento: como um mundo dito racional se pauta por um mecanismo insustentável? Qual a escolha mais adequada em nome de uma vida de qualidade e mais justa no lugar onde todos (con)vivem? O minimalismo se encaixa como solução? Como pensar o Brasil hoje, por exemplo, onde pessoas que não tiveram tanto e ainda querem ter? Isso depende de cada um e da re-alidade de cada lugar. Mas refletir sobre o que e como se consome é uma tarefa da qual ninguém poderá fugir neste século XXI.

Minimalismo na mídia

“Eu tinha muitas coisas, como a maioria das pessoas. Quando eu co-mecei a me desapegar, comecei a me sentir mais livre, mais feliz, mais leve”. A frase é do norte-americano Josh Fields Millburn em Minimalismo: um documentário sobre as coisas que importam (Netflix, 2016). Ele e o amigo de longa data Ryan Millburn são defensores da ideia e já ajudaram mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo a viver de uma forma menos consumista.

Ryan e Josh — assim como parece ser boa parte da população dos Estados Unidos — encontravam-se infelizes com o trabalho e a vida que levavam, apesar do excelente salário. Não havia motivo aparente para tanta insatisfação. Até que um dia, Josh perde a mãe e vê o casamento de seis anos che-gar ao fim. Em seguida, a crise bate à porta de Ryan. Para os dois, havia uma saída: trocar a lógica das metas a serem batidas pela lógica da vida com propósito. Afinal, o que está em jogo é a felicidade plena, não a paliativa, mo-vida pelo consumo a qualquer preço.

Os amigos transformaram a ideia no conceito de minimalismo (tomado emprestado do movimento artístico dos anos 1950–1960) e espalharam o pensamento não apenas no documentário, mas em um site (theminimalists.com), palestras e livros. Além deles, outros minimalistas estão divulgando a causa, como Francine Jay, no livro Menos é mais — Guia minimalista para organizar e simplificar sua vida (Fontanar, 2016). E há ainda sites e projetos nessa direção, Project 333, que chama os usuários ao desafio de usar 33 peças de vestir (incluindo acessórios e sapatos) durante três meses.


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